quinta-feira, 27 de março de 2014

Rachel Sheherazade: uma heroína em tempos estranhos

Quero te convidar leitor, a vir comigo num exercício de imaginação. Use todo seu poder mental para figurar a seguinte situação: Suponha que você seja um policial; suponha que esteja trabalhando em uma viatura com seu colega. Imagine que esteja utilizando todo equipamento e armamento que o Estado disponibiliza: pistola, fuzil, algema, colete balístico, etc. Você está pronto para cumprir sua obrigação constitucional que é preservar a ordem e a segurança pública. Agora, imagine que você e seu parceiro depararam com um flagrante de crime. Tráfico de drogas. O flagrante te impede de aguardar reforço, embora o tenha acionado. Você aborda o criminoso, apreende a mercadoria, preenche toda aquela burocracia legal. De repente, você e seu parceiro se vêem cercados por outros marginais. Estes, com uma pá destroem sua viatura. Arremessam tijolos. Chutam seu parceiro e caminham na sua direção, desferindo um tapa na sua nuca. O que você faria? Antes de continuar lendo, detenha-se um pouco na solução desse enigma. Como você se comportaria diante deste quadro? Quero esclarecer que ele é real. Aconteceu recentemente com uma guarnição de policiais no Rio de Janeiro. Vamos às possíveis respostas:


Primeiro: vocês são dois policiais apenas, cercados por mais de 10 criminosos. Você é o legítimo representante do Estado, inviolável portanto no exercício de seu dever. Seu dever, como dito, é preservar a ordem e a segurança pública. Você dispõe de armas para isto mesmo, garantir sua segurança e a de terceiros. Além do mais, há um patrimônio público, a viatura, sob sua responsabilidade. Deixá-lo ser destruído implica em omissão. Então você usa os recursos que o Estado te deu, a arma de fogo inclusive. Alveja dois ou três criminosos, que morrem. Prende mais um ou dois. O restante foge. Sabe o que ocorreria? As filmagens nunca apareceriam. Os criminosos estavam desarmados. A imprensa divulgaria a chacina praticada por dois policiais contra civis desarmados. Você seria preso, excluído e condenado. Não necessariamente nesta ordem. Sua esposa te deixaria, pois não ficaria casada com um criminoso. Seus filhos, nunca te visitariam na cadeia até porque você não acha apropriado para eles ficarem frequentando presídio. Os direitos humanos pediria sua execução sumária. Esta não seria a melhor resposta então. Vamos para a seguinte.
Segunda: você e seu parceiro são resignados. Aceitam que destruam a viatura, calados. Também concordam que não devem usar armas de fogo pelos fatos narrados acima. Sujeitam-se apanhar um pouco, afinal o dano é menor. Os traficantes pegam a droga de volta e se dão por satisfeitos. Você sai agradecido, afinal não foi baleado e apanhar um pouco não é tão ruim. Seis meses depois alguém divulga as imagens. Seus filhos não querem que você vá até a escola na reunião de pais, pois temem que alguém descubra que você apanhou na televisão. Sua esposa conclui que você é um banana na rua e quer cantar de galo em casa. Seu chefe resolve abrir um procedimento por omissão, já que você devolveu a droga aos bandidos, não prendeu ninguém e os deixou destruir a viatura. Você será preso, excluído e condenado. Não necessariamente nesta ordem. Não conseguirá outro emprego. Os direitos humanos não te defenderão porque você tem(?) o Estado a seu favor. Também esta não seria a melhor opção. Vejamos outra possibilidade.
Terceira: você descobre que seu parceiro gosta de trabalhar, então dá um jeito de mudar de parceiro. Consegue um mais lento nas decisões e surdo, para não ouvir o rádio. Deixa de atender ocorrência, não atende o rádio, finge que está doente. Seus superiores começam reclamar da sua embromação. A sociedade também, pois querem PM que apanha, não que escamoteia. Logo descobrem que você é um peso morto. Começam a te punir sucessivamente até te excluir da corporação. Sua esposa, seus filhos, seus amigos descobrem que você é não só omisso, mas medroso, covarde, banana. Provavelmente não arrumará outro emprego, nem outra mulher, nem outros filhos. Amigos? Jamais. Esta também não é a resposta certa.
Quarta: você ora para nascer de novo. Deseja nunca ter sido policial na vida. Pensa em candidatar. Mas descobre que tudo isto é uma ficção, impossível de ocorrer. Então você começa a desesperar. Não deixará de ser policial jamais, esta cruz é que tem que carregar. Provavelmente você vai ficar maluco diagnosticado, mas vão dizer mesmo é que você amarelou. Voltamos ao quadro da resposta anterior. Então, fácil concluir que esta também não é a melhor resposta. Me ajudem aí (sic). Qual é a resposta certa?
Rachel Sheherazade é mais homem que muitos homens que conheço. Tem coragem de falar o que precisa ser dito. Dê-me dez iguais a ela e teremos um País diferente. As policiais deveriam lhe oferecer segurança, medalhas e oblação. Não fazem isto porque têm medo. Agora, uma deputada de que me recuso a falar o nome a processa por dizer a verdade. Dizer que não gosta de polícia pode, mas eu dizer que não gosto de bandido é proibido? Que País é este? Vou mandar meus filhos embora o quanto antes. Este não é um lugar de se viver.
(Coronel Avelar Lopes de Viveiros, comandante da Academia da Polícia Militar de Góias)